Uma paixão também pode ser hereditária

Uma paixão também pode ser hereditária

Este artigo foi publicado originalmente no Jornal do Fundão.

A vida é campo aberto de oportunidades e imprevisibilidades. No cruzar destes caminhos, pai e filha reencontraram-se. agora. no negócio que marca há muito esta família. A Beiralacte, empresa de produção e comercialização de queijos, está presente no quotidiano de António Godinho há décadas e, desde há dois anos, também no de Berta, a filha que agora o acompanha no dia a dia desta empresa. Berta Godinho tem 28 anos e tirou licenciatura e mestrado em Engenharia do Ambiente, no Instituto Superior de Agronomia em Lisboa, e exerceu durante algum tempo nesta área, já no Fundão, mas a oportunidade de um futuro profissional mais consistente acabou por lhe surgir dentro de casa e decidiu seguir as pisadas do pai. A certa altura, diz, "começamos a pensar se as coisas não resultarem muito bem, para onde é que nos havemos de virar?". E foi aí que "o meu pai me começou a dizer que talvez fosse uma boa ideia ir para a Beiralacte. Ainda tive um momento de relutância, até porque é difícil trabalhar com um qualquer empregador, mas com o nosso pai há outras dificuldades. Não digo que será mais difícil, mas tem dificuldades próprias...". António Godinho sorri e responde: "É óbvio que a minha ideia sempre foi chamar a Berta. Não poderia era influenciá-la de maneira a que ela se sentisse obrigada a ir para lá.

Mas quando ela mostrou interesse cm trabalhar lá, achei que era bom". E cá estão os dois, precisamente neste ponto. O destino comum é agora também, o de gerir uma empresa num contexto económico de tempestade. Um certo otimismo tem que fazer o seu caminho, até porque quem se senta a esta mesa de café não é de cruzar os braços. "Exige-se de nós, empresários, ir ao encontro daquilo que o cliente quer. Por exemplo. estamos numa região onde fabricamos e comercializamos queijos de quilo. Mas hoje é mais difícil vender um queijo de quilo. Portanto, temos que adaptar o nosso queijo com a sua qualidade, com a sua textura, às exigências do consumidor", aponta António Godinho. Outro dos desafios, por exemplo, é o de colocar os queijos "a 500 ou a mil quilómetros de distância com as mesmas condições..." E é aqui que se dá um encontro entre a inovação e a tradição. Berta Godinho concorda que estes e outros desafios que se colocam podem e devem ser transpostos sem colocar em causa o essencial. Ou seja: "mantendo o mesmo sabor, há uma série de evoluções — até no facto de se conseguir fazer um queijo uniforme todo o ano, com o mesmo sabor... Quando uma pessoa compra agora um queijo e voltar a comprar daqui a três meses, que não seja um queijo completamente diferente".

O negócio de comércio de queijos já ocupou três gerações da família Godinho. Mas foi António Godinho que impulsionou a criação da empresa Beiralacte, com sede na freguesia de Alcaria, concelho do Fundão. A empresa centra a sua atividade essencialmente na produção de queijos regionais: Queijo de Castelo Branco, Queijo Amarelo Beira Baixa e o Picante da Beira Baixa. Mas o portefólio não se fica por aqui. "Desenvolvemos um queijo de ovelha mais velho, ao qual chamamos queijo de reserva, que tem que ter oito meses de cura para que ele fique em condições e com as devidas características de qualidade. Temos também um queijo de cabra excecional que estamos a colocar com êxito em quase todo o mundo e temos ainda os queijos frescos".

O mercado nacional é o principal recetor dos cerca de mil queijos diários que a Beiralacte produz. Mas os mercados exteriores também já requerem por parte do empresário muita atenção: "neste momento já tenho alguns clientes na Europa e estamos a apostar no Médio Oriente, Brasil e África", afirma António Godinho. Este acaba por ser um processo natural. que acompanha o desenvolvimento da própria fábrica: "Iniciámo-nos com uma distribuição regional, alargámos, depois para todo o país e de há cinco anos a esta parte temos vindo a fazer um trabalho no estrangeiro, indo à procura de veículos de entrada noutros países.

As rotinas e os papéis de António e de Berta estão definidos e o trabalho é repartido, embora a filha ainda reconheça estar em fase de aprendizagem e de observação. O dia começa muito cedo. Às 6.30 da manhã, um deles já está nas instalações da fábrica. Receber vendedores, carregar carros para a distribuição e fazer encomendas são tarefas deste vasto ritual. "Até agora era eu que fazia isto: mas agora com a Berta, tentamos conciliar este trabalho". O resto do dia de António é "gerir." E o que é gerir? "É fazer tudo". Às vezes, esses dias de gestão estendem-se até às duas horas da madrugada. Berta diz que o seu pai terá agora mais disponibilidade para se ausentar da empresa e cimentar ou alargar a sua rede de contactos junto de clientes para colocar o produto. "Eu, normalmente estou mais dentro da empresa. Tenho gerido algumas coisas da parte comercial. Estou ainda a aprender as outras: estou sempre alerta para tudo", resume. E ao fim do dia saem sempre satisfeitos um com o outro? António responde primeiro: "Quem vive em comunidade, há sempre umas picardias, mas, na generalidade damo-nos bem". Ri-se. Berta responde: "somos pai e filha e, como tal, já nos conhecemos há muito tempo. Nós somos muito parecidos em algumas coisas e, às vezes, é difícil um calar-se e dar razão ao outro. Mas damo-nos bem e quando nos arreliamos, passa sempre depressa. Também temos bom feitio". A verdade é que Berta integrou-se "de corpo e alma" neste projeto. "É certo que pode não ser a área que eu estudei, mas faço cursos porque acho que só o amor pela empresa não é o suficiente: é preciso ter conhecimentos que eu não tinha". E depois, há sempre um professor à mão: o pai.

POLÍTICA DE COOKIES

Este site utiliza cookies para o bom funcionamento do site e para otimizar a sua experiência de navegação. Para saber mais sobre a utilização dos cookies ou como os gerir ou desativá-los neste dispositivo por favor consulte a Política de Cookies.